Um povo que preserva sua identidade e conhece suas raízes deixará com certeza seu legado na história. As etnias formadoras do povo Brasil são perfeitamente conhecidas, destacando-se o indígena, o africano e o europeu, mormente o povo lusitano, nosso colonizador. Mas, quem foram esses aventureiros portugueses? Degredados, desafortunados e banidos de seu país? Por que eles se arriscaram bravamente no horizonte desconhecido? Viriam ao encontro do novo mundo atraídos somente pelas riquezas e maravilhas da terra do Pau-Brasil? De fato, vários historiadores do Brasil colonial ocultaram uma relevante etnia que havia em Portugal denominada Cristãos-Novos, ou seja, judeus ibéricos que foram obrigados à conversão forçada ao catolicismo por imposição dos Tribunais do Santo Ofício da Inquisição.
A história relata que, em 31 de março de 1492, os judeus foram expulsos da Espanha pelos reis católicos Ferdinando e Isabel. Mais de 100.000 judeus cruzaram a fronteira adentrando em Portugal, na esperança de livremente praticar suas crenças. Em 1496, Dom Manoel I, o Venturoso, se casou com a filha dos reis católicos da Espanha, na condição que Portugal também expulsasse os judeus. Dom Manoel I, interessado nos benefícios que a união das coroas traria, promulgou o decreto de expulsão em 5 de dezembro de 1496. Referindo-se ao aludido decreto, o historiador Arnold Wiznitzer destaca:
“Porém este decreto foi fraudulento em sua essência, pois o objetivo que visava não era a expulsão dos judeus e sim alcançar, mediante a força e artifícios, a conversão de aproximadamente 190 mil judeus residentes em Portugal, quase 20% da população total do país,”(1)
Dom Manoel estabeleceu prazo (de janeiro a outubro de 1497) para que todo judeu passasse por um processo de conversão ao catolicismo, caso desejasse permanecer em Portugal. Em outubro do mesmo ano, Dom Manoel anunciou que disponibilizaria naus às margens do Rio Tejo que os levaria de volta ao seu país de origem, a Terra Santa. Porém, naquele dia nenhuma nau apareceu e aquela multidão foi obrigada à uma conversão forçada, sendo ali mesmo naquela praça onde foram batizados em pé. (2). Daí surgiu a expressão até hoje conhecida: “ficaram a ver navios.”.
Assim, o escopo de Dom Manuel foi alcançado e a permanência dos judeus em Portugal estava garantida, sem desmantelar a situação financeira e comercial daquela época, além de assegurar a grande influência intelectual. Os judeus eram prósperos e, muitos deles, eram credores da Corte Portuguesa, financiando a construção de naus que zarpavam em direção à Índia e, posteriormente, rumo ao descobrimento do novo mundo.
A situação dos judeus tornou-se muito penosa, pois além de serem obrigados a abraçar a fé cristã, tiveram seus bens espoliados, sendo humilhados e confinados a viver naquele país. Voltar para Espanha, de onde foram expulsos, era impossível, bem como seguir em frente, tendo à vista o imenso oceano Atlântico. Alguns conseguiram escapar pelo Mediterrâneo alcançando às terras marroquinas e às cidades costeiras ao sul da Europa. Só lhes restavam esperar divinamente por um novo milagre: a abertura de um novo Mar Vermelho.
Naquele momento de crise, perseguição e desespero, Pedro Álvares Cabral, juntamente com alguns cristãos-novos, dentre eles o poliglota Gaspar da Gama, capitão-mor, que gozava de grande prestígio junto ao Rei D. Manuel (3). Pode-se imaginar a alegria de Gaspar da Gama, primeiro judeu a pisar na Terra de Vera Cruz, regressar a Portugal, levando consigo a boa nova: foi descoberto um paraíso, uma terra cheia de rios e montanhas, fauna e flora jamais vistos.
Teria pensado consigo: não seria aquele lugar descoberto uma “terra escolhida” para meus irmãos hebreus? Esta imaginação começou a tornar-se realidade quando o judeu de origem italiana, Fernando de Noronha (Ferdinando della Rogna), primeiro donatário do Brasil, demanda trazer um grande número de mão de obra para explorar seiscentas milhas da costa, construindo e guarnecendo fortalezas na obrigação de pagar uma taxa de arrendamento à coroa portuguesa a partir do terceiro ano (1503 a 1506).
Assim, milhares e milhares de cristãos-novos fugindo da chamada “Santa Inquisição” e das perseguições do “Santo Ofício” de Roma, começaram a colonizar o Brasil. Importante destacar que o presente artigo pretende abordar a contribuição dos Cristãos-Novos na colonização, sem desconsiderar a presença de outros grupos.
Fernando de Noronha, iniciou seus negócios com a exploração e comércio do pau-brasil e, em seguida, trouxe o plantio da cana-de-açúcar das ilhas de São Tomé e da Madeira, estabelecendo os primeiros engenhos e o sistema de plantation (monocultura para exportação).
Destaca-se, também, outro cristão-novo, Diogo Fernandes, o primeiro dono do Engenho “De Santiago” no nordeste brasileiro. Afinal, os cripto-judeus portugueses, como qualquer outro judeu da diáspora, procurava um lugar tranquilo e seguro para ali se estabelecer, trabalhar, e criar sua família dignamente. Na Terra de Santa Cruz os cristãos-novos prosperaram e se multiplicaram.
Em 1531, Portugal obteve de Roma a indicação de um Inquisidor Oficial para o Reino, e em 1540, Lisboa promulgou seu primeiro Auto-de-fé. Daí em diante, a colônia brasileira tornou-se local de exílio, para onde eram transportados os réus de crimes comuns, bem como judaizantes, ou seja, aqueles que aparentemente afirmavam ser cristãos-novos, porém, continuavam em secreto a professar a fé judaica.
Mas, esta tranquilidade acabou em 1591, quando o Brasil recebeu a visita do primeiro inquisidor, Heitor Furtado de Mendonça, enviado pelo Tribunal da Inquisição Portuguesa. A partir desta data inicia-se as delações daqueles que praticavam o crime de heresia naquela época, a saber, as práticas de tradições e ritos judaicos, bem como, bruxarias, feitiçarias, magias, incluindo também os apóstatas, bígamos, sacrílegos e qualquer outra conduta que ferisse os dogmas da Igreja Católica.
A perseguição aos cristãos-novos brasileiros representou mais de 80% dos processos da Inquisição portuguesa. Isto se deve à discriminação do povo hebreu como “assassinos” de Cristo desde os primórdios do cristianismo, seguido do interesse econômico, haja vista que os bens daqueles que se encontravam sob processos inquisitoriais eram confiscados.
Vários historiadores brasileiros que analisaram os processos inquisitoriais disponíveis na Torre do Tombo, em Lisboa, apresentam detalhes históricos desses colonizadores brasileiros que foram deportados, presos, processados, julgados e condenados às fogueiras da inquisição portuguesa. Portanto, ao se estudar tais processos pode-se constatar peculiares características, costumes, tradições que resultaram numa relevante influência judaica na formação do povo brasileiro.
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